O Impacto da Inteligência Artificial na saúde para profissionais e marketing farmacêutico

A chegada da Inteligência Artificial (IA) na saúde não é apenas uma tendência passageira, mas uma mudança fundamental na forma como a medicina é praticada e os serviços de saúde são prestados. Com potenciais aplicações em vários domínios da medicina, a IA promete melhorar a experiência de atendimento médico, assim como possivelmente otimizar os gastos com cuidados da saúde per capita e melhorar a vida profissional dos médicos.1 Porém, essa mudança também traz a necessidade de adaptação dos profissionais da saúde, serviços diagnósticos e ensino nos meios acadêmicos, para que as novas tecnologias sejam integradas efetivamente às ferramentas de IA. Com isso, é possível que no futuro próximo haja mudanças na infra-estrutura educacional para facilitar a compreensão das plataformas de IA.2

Esta matéria visa fornecer uma visão abrangente das muitas facetas do impacto da IA na saúde, com foco em suas implicações para médicos e profissionais da saúde que atuam diretamente na atualização e educação médica continuada, abraçando essa promessa empolgante da IA, que vem sendo muito bem recebida globalmente.

A IA como ferramenta na saúde

Os avanços na computação e nos dados decorrentes da aceitação e implementação de prontuários eletrônicos tornaram possível o desenvolvimento de modelos de atendimento ao paciente personalizados, automatizados e imediatos. Os métodos de IA, em particular a aprendizagem de máquina, a aprendizagem por reforço e a aprendizagem profunda, são particularmente úteis para lidar tanto com a complexidade dos  dados como com questões emergentes nos cuidados de saúde (Figura 1).2

Figura 1. Esquema descritivo sobre a relação entre a inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (machine learning, ML) e aprendizagem profunda (deep learning, DL) e seus aspectos. Adaptado de von Ende E et al. Diagnostics (Basel). 2023. 27; 13(5):892.3

Melhorando a precisão diagnóstica

Além disso, a IA tem demonstrado potencial na interpretação de radiografias torácicas, detecção de câncer em mamografias, análise de tomografias computadorizadas, identificação de tumores cerebrais em imagens de ressonância magnética e até na previsão do desenvolvimento da doença de Alzheimer a partir da tomografia por emissão de pósitrons. As aplicações da IA já ajudaram a identificar lesões de pele cancerígenas, interpretar imagens de retina, detectar arritmias e até mesmo identificar hipercalemia a partir de eletrocardiogramas. Por fim, também mostrou potencial na interpretação genômica do câncer, na identificação e classificação de pólipos na colonoscopia, na identificação de síndromes genéticas a partir da aparência facial, e na avaliação da qualidade do embrião para maximizar o sucesso na fertilização in vitro.1

No campo da neurologia, a IA também pode ajudar em vários aspectos do paradigma de tratamento do acidente vascular cerebral, incluindo detecção, segmentação, classificação, graduação do Alberta Stroke Program Early CT Score e prognóstico de infarto ou hemorragia.9

No campo da patologia, por exemplo, a precisão diagnóstica da IA é comparável à de especialistas humanos. Estudos recentes indicam que esses sistemas de IA, após serem treinados com milhares de amostras de tecido patológico,  podem alcançar uma taxa de acurácia de 92% na identificação de câncer em amostras teciduais, aproximando-se da taxa de 96% alcançada por patologistas qualificados e, quando combinados os algoritmos de IA com a perícia humana, a acurácia diagnóstica pode chegar a 99,5% (Figura 2).4,5 Outro estudo também observou que a combinação das avaliações de patologistas humanos e algoritmos levou a uma redução de 85% no erro humano na detecção de câncer de mama metastático, ressaltando o imenso potencial da colaboração entre IA e profissionais da saúde.4,6

Devido à sua capacidade de avaliar grandes volumes de dados de prontuários de saúde eletrônicos, existem expectativas de que a IA possa contribuir com:1

Um estudo publicado na revista Nature, envolveu pesquisadores do Reino Unido e dos Estados Unidos na avaliação da eficácia de um algoritmo de IA para a detecção de câncer de mama. Este algoritmo foi testado utilizando uma ampla base de dados de pacientes de ambos os países e mostrou-se capaz de reduzir a incidência de falsos positivos em até 5,7% e de falsos negativos em até 9,4%, em relação aos diagnósticos de especialistas humanos. Notavelmente, o sistema de IA se adaptou bem aos diferentes conjuntos de dados dos dois países, demonstrando seu poder de generalização.7 

Em um segundo estudo, um sistema de aprendizagem profunda desenvolvido por pesquisadores americanos se demonstrou capaz de identificar 26 doenças de pele comuns, que representam 80% dos casos na atenção primária. Para realizar o diagnóstico, o algoritmo utilizou uma base de fotos e dados clínicos de mais de 16 mil casos de teledermatologia. O mesmo algoritmo também foi capaz de oferecer insights sobre outras 419 condições de pele em um teste com 963 casos, onde obteve um desempenho igual ou melhor do que seis dermatologistas e superou seis médicos generalistas e seis enfermeiros.8 

Como vimos, a aplicação da IA para melhorar a precisão diagnóstica está deixando de ser uma expectativa para o futuro e passando a ser uma realidade cada vez mais presente.

Contribuindo para a prática e tomada de decisão clínica

Essa tecnologia também está sendo utilizada para melhorar o fluxo de trabalho do médico, automatizando a extração de informações semânticas de documentos, reconhecendo a fala em interação médico-paciente, prevendo o risco de não comparecimento a consultas e até mesmo resumindo as consultas médicas, otimizando o tempo e os recursos dos profissionais de saúde.1

Algumas aplicações da IA podem incluir o apoio aos médicos na complexa tarefa de estratificar o risco dos pacientes para intervenções, identificar aqueles com maior risco de descompensação iminente e avaliar resultados de exames mais simples.2

Os algoritmos de IA podem auxiliar os médicos fornecendo-lhes insights diagnósticos e terapêuticos, com o objetivo de otimizar a prática médica. Pesquisadores da Universidade de Michigan demonstraram que, em seu modelo, a IA foi capaz de melhorar a precisão diagnóstica dos médicos em até 4,4% sobre pacientes hospitalizados com insuficiência respiratória aguda.10 

No entanto, apesar de úteis avanços, os conjuntos de dados nos quais os modelos de IA treinam têm também potencial de aplicações incorretas e, portanto, criam preocupações quanto a possíveis vieses na sua aplicação.2 Ainda no mesmo estudo, Jabbour e colaboradores destacaram uma preocupação crítica: modelos de IA sistematicamente tendenciosos poderiam diminuir a precisão do médico em até 11%. Isso ressalta a importância de desenvolver sistemas de IA imparciais e transparentes.10 

Simplificando o atendimento de emergência

A IA amadureceu e suas aplicações no campo do atendimento de emergências, onde cada segundo conta, são particularmente promissoras. A capacidade da IA de analisar e interpretar rapidamente imagens médicas, como tomografias computadorizadas para hemorragia intracraniana, acelera o processo de diagnóstico, potencialmente salvando vidas e melhorando os desfechos em ambientes de emergência e cuidados intensivos.11

O papel da IA no marketing farmacêutico

Algumas aplicações práticas de como a IA pode auxiliar as equipes de vendas e marketing da indústria farmacêutica estão relacionadas à melhora da interação com profissionais envolvidos na cadeia da prescrição e compra dos medicamentos, incluindo as farmácias, profissionais de saúde e pacientes. Atualmente, está sendo estudado e testado o uso da IA para avaliar o seu potencial na transformação das abordagens tradicionais de vendas e marketing farmacêutico.12

Já no campo de pesquisa e desenvolvimento de medicamentos, o uso da IA tê

Ou seja, ao utilizar algoritmos de IA que analisam esses extensos dados biológicos, incluindo genômica e proteômica, os investigadores podem identificar alvos associados a doenças e prever as suas interações com potenciais candidatos a medicamentos. Essa abordagem mais eficiente e direcionada à descoberta de medicamentos aumenta a probabilidade de aprovações bem-sucedidas de medicamentos, contribuindo para reduzir os custos de desenvolvimento e otimizando os processos de investigação e desenvolvimento.Esse avanço facilita significativamente o trabalho dos profissionais de marketing farmacêutico, uma vez que esse impacto da IA na melhora da segurança, eficácia e na personalização dos tratamentos médicos pode ser enfatizado nas estratégias de marketing.13

Um exemplo notável no campo da descoberta de medicamentos é a utilização da ‘triagem virtual inversa’ ou ‘pesca de alvo in silico’. Esta técnica computacional e proteômica aplica a estrutura química dos compostos para prever seus alvos biológicos e mecanismos de ação. A combinação dessa abordagem com mineração de dados, docking molecular, aprendizado de máquina e quimioinformática tem mostrado eficácia na redução de custos e tempo nos processos de descoberta e desenvolvimento de medicamentos.13 

Este processo, que inclui desafios como a seleção e identificação de proteínas-alvo, emprega descritores 3D para prever a afinidade de ligação de compostos-candidatos às proteínas-alvo e categoriza os dados com base na similaridade com os alvos conhecidos. Essa metodologia também permite explorar áreas como a fitofarmacologia e a previsão de toxicidades e efeitos adversos em novas indicações terapêuticas. Drogas como loperamida, emetina e metadona, que atuam em receptores muscarínicos, adrenérgicos e de neurocinina, foram estudadas com sucesso através dessa técnica.13

Desafios na integração da IA

Embora a IA traga inúmeros benefícios para o setor da saúde, também levanta desafios significativos e considerações éticas.2,11

Dentre os principais desafios da IA no setor médico e farmacêutico, podemos citar:2,14

  1. Qualidade e quantidade de dados: Grandes conjuntos de dados de alta qualidade são cruciais para o desenvolvimento da IA, mas a obtenção desses dados pode ser um desafio devido a questões de privacidade, heterogeneidade de dados e questões de interoperabilidade.
  2. Integração e implementação: A integração da IA nos sistemas de saúde existentes é complexa e requer investimentos significativos e reformulação das práticas atuais.
  3. Questões regulamentares e éticas: Existem preocupações relativamente à privacidade dos pacientes, à segurança dos dados e às implicações éticas das decisões de IA, que necessitam de novas regulamentações.
  4. Explicabilidade e confiança: A natureza de “caixa preta” de alguns algoritmos de IA torna difícil para os profissionais compreenderem como a IA chegou às suas conclusões ou decisões. Este atributo é crucial para construir confiança e garantir o uso eficaz da IA nos cuidados de saúde.
  5. Lacuna de competências: Há necessidade de profissionais qualificados tanto em cuidados de saúde como em tecnologias de IA, o que atualmente é um recurso limitado.

Estes desafios realçam a necessidade de uma consideração cuidadosa na adoção e implementação de tecnologias de IA nos cuidados de saúde.2 

Além disso, também já foi observado que sistemas de IA podem contar com algoritmos de aprendizado enviesados com dados tendenciosos de populações específicas, implicando em erros que podem ser classificados como discriminação algorítmica.15 Alguns exemplos deses viés são:2  

Nesse sentido, existem diversas abordagens para definir e fomentar a equidade algorítmica, fundamentadas em critérios probabilísticos. Contudo, é necessário cautela, pois essas abordagens podem agravar as desigualdades nas áreas de aplicação da ferramenta. Os médicos devem estar cientes dos riscos ao empregar modelos de aprendizado de máquina (machine learning), os quais podem trazer resultados inadequados para seus pacientes. Eles também precisam se preparar para os desafios emergentes na criação e implementação desses modelos de IA.2

Conclusão

À medida que avançamos nesta era impulsionada pela IA, o setor da saúde deve abraçar estas mudanças com uma abordagem equilibrada, concentrando-se na melhoria do atendimento ao paciente e ao mesmo tempo enfrentando os desafios inerentes a esta revolução tecnológica. Para médicos e profissionais de marketing farmacêutico, isto significa não apenas adotar tecnologias de IA, mas também participar ativamente na definição da sua evolução para garantir que atendam às necessidades da prática clínica, com responsabilidade ética.
Assim, integrar os médicos no desenvolvimento de modelos e educá-los nesta área será a próxima mudança de paradigma na educação médica.2

Os benefícios principais da IA no setor da saúde estão atrelados à melhoria na qualidade, segurança e eficiência dos serviços prestados. Estudos mostram que a IA pode melhorar a qualidade do atendimento, aumentando a acurácia, a consistência e a padronização dos processos. Isso melhora a segurança dos pacientes ao reduzir os erros, falhas e atrasos no tratamento. Adicionalmente, a IA pode otimizar a eficiência dos serviços de saúde, diminuindo custos, tempos de espera e desperdícios.11

Como vimos, a IA é capaz de gerir e interpretar diversos dados de forma eficiente, especialmente em radiologia e patologia, onde os volumes de dados são particularmente elevados, extraindo insights relevantes que seriam demorados e, por vezes, difíceis de serem identificados manualmente pelos humanos. Na frente farmacêutica, a análise profunda e as capacidades preditivas da IA estão a remodelar as estratégias de marketing, conduzindo a uma divulgação mais personalizada e eficaz. Além disso, a contribuição da IA para o desenvolvimento de conteúdos educativos pode criar experiências de aprendizagem mais envolventes e personalizadas para os profissionais de saúde.

Para isso, é preciso avançar na pesquisa e na validação dos algoritmos de IA, usando dados de alta qualidade, representativos e atualizados, assim como integrar os sistemas de IA aos sistemas de informação existentes, facilitando o acesso e a interoperabilidade dos dados. Adicionalmente, envolver os usuários finais, como médicos, enfermeiros e socorristas, na concepção, na implementação e na avaliação dos sistemas é essencial. Por fim, é preciso estabelecer normas e regulamentações para o uso ético e seguro da IA em todas as áreas da saúde.11

Sobre nós: 

Nós, da KACHI, somos uma agência especializada em comunicação científica e marketing farmacêutico, totalmente comprometida com o segmento de Healthcare. Contamos com mais de 15 anos de experiência, integrando ciência, comunicação e criatividade. Nossa equipe é composta por profissionais com mestrado e doutorado, possuindo vasta expertise em transformar conceitos complexos em comunicação simples, criativa e eficaz.”

Referências

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  2. Giordano C, Brennan M, Mohamed B, et al. Accessing Artificial Intelligence for Clinical Decision-Making. Front Digit Health 2021;3:645232.
  3. von Ende E, Ryan S, Crain MA, Makary MS. Artificial Intelligence, Augmented Reality, and Virtual Reality Advances and Applications in Interventional Radiology. Diagnostics (Basel). 2023 27; 13(5):892. 
  4. Powell A. AI revolution in medicine. Harvard Gazette 2020. Acesso em 11 de janeiro de 2024. Disponível em: https://news.harvard.edu/gazette/story/2020/11/risks-and-benefits-of-an-ai-revolution-in-medicine/
  5. Khoraminia F, Fuster S, Kanwal N, et al. Artificial Intelligence in Digital Pathology for Bladder Cancer: Hype or Hope? A Systematic Review. Cancers 2023; 15(18). 
  6. Ahmad Z, Rahim S, Zubair M, Abdul-Ghafar J. Artificial intelligence (AI) in medicine, current applications and future role with special emphasis on its potential and promise in pathology: present and future impact, obstacles including costs and acceptance among pathologists, practical and philosophical considerations. A comprehensive review. Diagn Pathol 2021;16(1):24.
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  8. Liu Y, Jain A, Eng C, et al. A deep learning system for differential diagnosis of skin diseases. Nat Med 2020;26(6):900–8.
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  10. Jabbour S, Fouhey D, Shepard S, et al. Measuring the Impact of AI in the Diagnosis of Hospitalized Patients: A Randomized Clinical Vignette Survey Study. JAMA 2023; 330(23):2275–84.
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  12. Roy M. Artificial Intelligence in Pharmaceutical Sales & Marketing – A Conceptual Overview. 2022. Acesso em 11 de janeiro de 2024. Disponível em:  https://www.researchgate.net/publication/358275419_Artificial_Intelligence_in_Pharmaceutical_Sales_Marketing_-_A_Conceptual_Overview
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  15. Buolamwini J, Gebru T. Gender Shades: Intersectional Accuracy Disparities in Commercial Gender Classification. In: Conference on Fairness, Accountability and Transparency. PMLR; 2018. 77–91.